Desde cedo, ontem, circularam as
notícias mais desencontradas. A príncípio, segundo alguns veículos da
imprensa, DIlma retrocedera e não assinaria nenhuma carta para atender as
revindicações dos líderes evangélicos, que se reuniram com ela no dia 13 de outubro.
Prevalecia a tese dos linhas-duras do PT, que viam nisso retrocesso perigoso
para a estratégia petista de médio e longo prazo. Mas como
seria dificil explicar essa meia-volta diante da expectativa criada com a
promessa de divulgação da carta, optou-se então por formalizá-la e, com
isso, tentar dar um fim à discussão que a própria candidata trouxe para a
campanha, quando começou a desdizer o que dissera antes como parte de sua
crença e filosofia de vida.
Acabei de ler o documento. Quem
esperava um tiro de canhão, ouviu um estampido de bomba de São
João. A emenda saiu pior do que o soneto. Peço licença ao Reinaldo Azevedo
para fazer um azul e vermelho com os pontos da açucarada carta. Aí vai:
Dirijo-me mais uma vez a vocês, com o
carinho e o respeito que merecem os que sonham com um Brasil cada vez mais
perto da premissa do Evangelho de desejar ao próximo o que desejamos para nós
mesmos. É com esta convicção que resolvi pôr um fim definitivo à campanha de
calúnias e boatos espalhados por meus adversários eleitorais. Para não permitir
que prevaleça a mentira como arma em busca de votos, em nome da verdade quero
reafirmar:
A introdução já começa com uma premissa
errada. Quem rascunhou a carta esqueceu-se que o Mestre ensinou a amar o
próximo com o mesmo padrão de amor que ele teve em favor
da humanidade. Se nós mesmos nos constituirmos como medida, corremos
o risco de dar com os burros n'água. Por outro lado, não é verdade
que as últimas notícias envolvendo Dilma Rousseff sejam calúnias e boatos. Os
fatos estão documentados e foram divulgados com provas cabais sem que houvesse
qualquer articulação nesse sentido, como reação natural ao novo discurso que a
candidata inaugurou na campanha para atrair o eleitorado cristão.
1. Defendo a convivência entre as
diferentes religiões e a liberdade religiosa, assegurada pela Constituição
Federal.
Não é isso que transparece no PNDH 3,
forjado na Casa Civil comandada pela então ministra, que propõe entre outras
aberrações estabelecer conselhos para a diversidade religiosa, como
se fosse papel do Estado interferir nos cultos de qualquer crença.
2. Sou pessoalmente contra o aborto e
defendo a manutenção da legislação atual sobre o assunto.
Esse é o calcanhar de aquiles de Dilma
Rousseff. Contraria o que afirmou em entrevista à Folha,
em 2007, quando considerou absurdo que o Brasil não tivesse
ainda descriminado o aborto, o que reafirmou posteriormente, no ano de
2009, já na condição de pré-candidata, em entrevista a Marie Claire. O
advérbio "pessoalmente" é uma forçação de barra e pressupõe que nem
sempre o desejo pessoal pode sobrepor-se aos "interesses de
estado". No caso, a descriminação do aborto. Mas que estado, o do
PT? É fácil, agora, dizer que defende a manutenção da legislação
atual sobre o assunto, quando, ao contrário disso, a Secretaria Especial de
Políticas Públicas para as Mulheres fez da pauta a sua prioridade durante o
governo Lula, o PNDH 3 reforçou a mesma política e já há projetos de lei em andamento
para cumprir a proposta. Isso não é nada mais do que dizer: "lavo as
minhas mãos".
3. Eleita presidente da República, não
tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do
aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer
religião no País.
Vá lá que Dilma, se eleita, não tome
qualquer iniciativa, como promete nesse item. É possível acreditar numa pessoa
que anteontem dizia com convicção uma coisa e hoje, para atender conveniências
eleitorais, diz outra? E se vier a não tomar nenhuma iniciativa, o que isso
significará? Nada! O processo já esta em curso e o PT, ao lado de aliados de
outros partidos, fará direitinho "o dever de casa" no Congresso
Nacional.
4. O PNDH 3 é uma ampla carta de
intenções, que incorporou itens do programa anterior. Está sendo revisto
e, se eleita, não pretendo promover nenhuma iniciativa que afronte a família.
Não é verdade que o PNDH seja uma ampla
carta de intenções. É, sim, um decreto assinado pelo presidente Luís
Inácio Lula da Silva, com pontos muito claros a serem implementados e
determinando, inclusive, as áreas do governo responsáveis pela execução de cada
um deles. Também não é verdade que está sendo revisto. A não ser que Dilma
tenha esquecido de combinar com Paulo Vannuchi, ministro dos Direitos Humanos,
que afirmou ficar tudo como está por ter o governo já feito as alterações
necessárias. É por isso que Dilma de forma enviezada disse ser
"pessoalmente" contra o aborto. Para não ficar contra o PNDH 3 já
emendado, que diz: "Considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do
acesso aos serviços de saúde". Saúde
de quem? Da mãe ou do feto?
5. Com relação ao PLC 122, caso aprovado
no Senado, onde tramita atualmente, será sancionado em meu futuro governo nos
artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais
garantias constitucionais individuais existentes no país.
Aqui o rascunhador da carta comete um ato
falho. Admite já o futuro governo da candidata. É um risco calculado. Mas vamos
ao ponto: da forma como o projeto de lei se encontra redigido, será muito
difícil - senão impossível - para o presidente sancioná-lo sem que se
estabeleça a mordaça a quem se expressar contra a homossexualidade. O PLC 122
não se submete ao princípio constitucional da igualdade ao
estabelecer privilégios para uma minoria.
6. Se Deus quiser e o povo brasileiro me
der a oportunidade de presidir o País, pretendo editar leis e desenvolver
programas que tenham a família como foco principal, a exemplo do Bolsa
Família, Minha Casa, Minha Vida e tantos outros que resgatam a cidadania e a
dignidade humana.
A que "deus" o rascunhador da
carta se refere? À força superior a que Dilma se referiu em sua entrevista ao
Datena? Ou àquele mencionado na entrevista à Folha? Veja você mesmo: "...Eu não acho que a gente pode achar
que só existe o... aquele seu Deus, entende? Eu acho que você tem de ter,
assim, uma abertura para contemplar todas as possibilidades (...) Eu me
equilibro nessa questão: Será que há [Deus] , será que não há?" É
ou não é hilário, para não dizer triste!
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